Três tipos de texto para brincar. Três possibilidades de (des)agradar possíveis leitores. Para comentar ou para jogar na lama: brunapaixao@hotmail.com. Mas não para colocar no MSN, please

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Vovó Maria

Chego de férias seriamente individadoras na Espanha e recebo a notícia de que a minha avó morreu enquanto eu estava lá. Que sensação estranha que é você sair do país com sua avó viva e voltar ao país com a sua avó morta. Parece que é mentira, e que daqui a pouco vou pra casa dela comer doce de abóbora, e empada de queijo, e macarronada com molho de tomate. E ela vai reclamar que eu não uso maquiagem nem cuido do cabelo.

Desde que soube, não derramei uma lágrima.

O cruelmente irônico da história é que coloquei o ítem "visitar a minha avó uma vez por mês" na lista de resoluções de ano novo. Eu faço listas de ano novo, com dez ítens, e no correr do ano eu dou algumas olhadinhas na lista e coloco OK nos objetivos alcançados. E é ótimo dar o OK dos objetivos alcançados, porque dá a impressão de que você está andando pra frente, quando na verdade o que acontece é que a gente sempre anda pra frente, mesmo quando não quer.

Mas a minha avó nem conseguiu esperar eu colocar em prática as resoluções de ano novo, e partiu bem rapidinho, a tempo de não se tornar uma velha apática e dependente, que era tudo o que ela não queria da vida.

E agora eu não tenho mais avós, mas não faço dramas: aproveitei bastante das minhas, comi muito doce de abóbora, ganhei muito presente e muito colo, vi muitas fotos em preto e branco, ouvi muitas histórias - tive uma vida completa de neta, com tudo o que ela pode reservar.

segunda-feira, setembro 27, 2004

Doces Trash

Sobre o tédio cotidiano

Descobri que hoje é dia de Cosme e Damião. Descobri porque a multidão de crianças ensandecidas por doses altas de açúcar correndo atrás dos carros tornou óbvia a constatação. E também porque há alguns dias dei um pulinho nas lojas Americanas pra comprar uma mega barra de Diamante Negro e me deparei com caixas de doce de abóbora em forma de coração, desses que só se vende nessa época do ano. Não havia como eu me enganar: hoje é dia de Cosme e Damião.

Eu adoro os saquinhos de doces distribuídos no Cosme e Damião. Uma das coisas ruins de se ter vinte e sete anos é a impossibilidade de correr atrás de carros pedindo saquinhos de doce. Pensando bem, quando eu era criança nunca bati de porta em porta pedindo maria mole e suspiro. O açúcar vinha parar nas minhas mãos como que por encanto, através de colegas de trabalho dos meus pais, ou mães católicas de amiguinhos do colégio, que faziam a mágica distribuição todos os anos para pagar algum tipo de promessa.

Mas agora não. Agora, para que eu tenha acesso a esse universo paralelo que é o mundo infantil, tenho que usar a minha irmã de dez anos. Ela manteve viva a minha voracidade por doces trash durante esses anos em que entrei na chamada fase adulta, aquela em que para todo pedaço de torta ingerido, calcula-se o número de abdominais que devem ser feitas no dia seguinte. Pois é, minha irmã, invariavelmente, chega da escola com um saquinho de Cosme e Damião, como acontecia comigo quando eu era pequena. E aí se inicia a negociação pelo direito de ganhar uma daquelas delícias.

- Poxa, irmãzinha, libera a maria mole aí.
- Não. Eu gosto de maria mole. Se você quiser, pode ficar com o Cocô de Rato.
- Ah, não, Cocô de Rato eu não gosto. E esse doce de batata aí? Você vai querer?
- Hmm, tudo bem. Toma aí pra você.
- Valeu, irmã! Se você me der o Batom, eu levo você pra assistir a 'Meninas Super Poderosas 2'.

E por aí vai. Em negociações com a minha irmã mais nova. Quando ela não está olhando, eu garanto o meu lugar no inferno e roubo um daqueles tabletes de doce de leite. Meu gosto por doces trash já chegou a esse ponto: roubo até de criança. Mas é preciso aproveitar enquanto é tempo. Quando a minha irmã mais nova entrar na adolescência, ela vai querer largar a vida dos saquinhos de doce, como todos os seres humanos normais. Daí eu terei alguns anos de abstinência involuntária até que, finalmente, eu possa voltar a roubar doces. Dos meus possíveis e longínquos filhos.

quinta-feira, setembro 23, 2004

Mais um texto sobre o amor

Sobre o tédio
Quase tudo já foi dito sobre o amor, quase tudo já foi escrito e pensado da pior e da melhor maneira. Este não é um tema novo. Mesmo assim, insisto no erro e no lugar comum quando sento em frente à máquina de escrever com tela: cigarro em um canto da mesa, telefone sem fio, milhões de papéis e eu amando. Nada poderia, mesmo que eu tentasse, soar mais piegas que isso. ‘Eu estou amando’. Taí uma frase que não deveria ser dita em voz alta uma única vez da vida de uma pessoa sensata – e mesmo assim é dita.

Me enrosco no edredom com muita preguiça de levantar. Da última vez que saí assim, bati em um táxi e deixei um rastro de tinta amarela no meu pára-choque pretíssimo, sinalizando para todo o mundo que eu sou uma péssima motorista. A vida deveria ser mais leve para aqueles que estão amando, para aqueles que carregam a cruz da breguice nas costas com incomensurável alegria. Mesmo assim, tenho que levantar e trabalhar e soar muito séria e muito centrada, mesmo quando preferia estar deitada na piscina admirando nuvens cor de rosa. A vida é muito, muito dura para quem está amando. Todas as pessoas parecem amargas e mal comidas perto de mim, sinto uma pena altiva dos seres humanos ao meu redor. Eles não sabem o que eu sei, eles não sentem o que eu sinto. Pobres, pobres deles.

Hoje me peguei desenhando corações enquanto falava ao telefone com o revendedor de tacos. Falando sobre preço de obras e reformas e em quanto tempo a minha casa será habitável de novo. Quando me dei conta, rasguei o papel e escondi dentro da bolsa. Ninguém deve desconfiar que estou amando, ou se sentirão ainda mais amargos e mais mal comidos do que nunca.

De todas as últimas vezes que amei, gastei o que não podia para presentear o meu amor. Aprendi minha lição: nunca parcelar presentes para amores no cartão de crédito. O romance pode acabar antes de a conta ser paga. Pois é, sim, sim, a vida é muito dura para quem esta amando de novo e de verdade.

segunda-feira, setembro 20, 2004

Rumo a Columbine

Sobre o cotidiano
Na semana passada, o Jornal Nacional exibiu reportagem que mostrava como o Rio Grande do Sul vem combatendo o tráfico de drogas dentro das escolas públicas gaúchas: policiais revistam alunos e cães farejadores metem o nariz nas mochilas dos moleques em busca de drogas e armas. Até em algumas escolas particulares esse procedimento tem sido adotado. Uma diretora chegou a falar que depois que colocaram a polícia no meio da história, gangues pararam de rondar o colégio e alunos que eram considerados mini traficantes foram expulsos.

Imediatamente lembrei do filme ‘Elefante’, especificamente da cena em que aquele garoto lourinho leva uma bronca do diretor porque chegou atrasado de novo. Acontece que o garoto lourinho tinha chegado atrasado porque o pai dele estava bêbado demais pra conseguir leva-lo até o colégio, e o menino foi obrigado cuidar do pai antes de poder entrar na escola.

Da mesma forma que o diretor de ‘Elefante’ não quis saber por que o garoto lourinho chegou atrasado, a diretora do colégio de RS não está interessada em buscar explicações para a tendência à bandidagem do seu aluno mini traficante. O que ela quer é que ele suma da frente dela e pare de trazer problemas à escola, que pare de interferir na vida dos outros adolescentes que podem se tornar pessoas bem sucedidas. Vencedores.

‘Que injustiça’, foi o que eu pensei. Não porque o menino traficante deva receber alguma espécie de prêmio, mas porque, ao ser expulso da escola, ele foi praticamente condenado a ser promovido dentro do mundo do tráfico: de avião a soldado, de soldado a gerente, de gerente a dono da boca – ou seja lá como funcionam as bocas de fumo do Rio Grande do Sul.

Será que sou só eu (que realmente ando sentimental demais com questões sociais) que achou uma sacanagem abandonar o vendedor de maconha à própria sorte? Bom, depois eu constatei que não. Em entrevista à repórter, um educador disse que a escola não pode simplesmente deixar uma criança problemática pra lá, que o dever da instituição de ensino é formar uma pessoa em todos os sentidos, não só para passar no vestibular.

Assim como é nos Estados Unidos, onde o que conta é a popularidade e a futura fama e fortuna de cada aluno, o Brasil parece que está querendo também formar legiões de pessoas perfeitas, sem problemas e prontas para o mundo de faz de conta. Só espero que caia a ficha na cabeça dos pedagogos gaúchos de que esse modelo americano não gera vencedores, mas serial killers e anoréxicas.

quarta-feira, setembro 15, 2004

Procurando emprego

Sobre o tédio cotidiano
Eu já li um livro do Lair Ribeiro. Um não, vários. Eu confesso que já li vários livros do Lair Ribeiro, do Paulo Coelho e do Sidney Sheldon, tudo isso na tenra e confusa idade de 13 anos. Eu lia muita coisa da pior qualidade. Mas hoje, ao ligar para uma empresa e pedir uma chance de mostrar o meu currículo, acabei lembrando de um ensinamento do Dr. Ribeiro.

Ele dizia que foi comprovado cientificamente que quando uma pessoa falava sorrindo ao telefone, isso transparecida de alguma maneira em sua voz, e tornava a conversa mais agradável para a pessoa do outro lado da linha. Inclusive, empresas de telemarketing adotaram essa técnica e conseguiram aumentar as vendas em não sei quantos por cento. Pois é. Em algum ponto do meu subconsciente, armazenei a informação e me peguei usando a manhã que seu Lair falou pra eu usar ao procurar emprego.

Não há nada mais constrangedor que ligar e oferecer o seu currículo. Como eu não sei fazer de outra maneira e estou à base de frilas desde novembro passado, me tornei uma expert no quesito ligar para desconhecidos e ser simpático. As conversas são sempre extremamente desconfortáveis, por mais que eu esteja me habituando a isso. E seguem da seguinte maneira:

Bruna: Bom dia, por favor, eu gostaria de falar com o fulano.
Pessoa: Quem gostaria?
B: É a Bruna.
P: Bruna de onde?
B: Sabe o que é, ele não me conhece. Eu sou jornalista, trabalho com produção de reportagem para TV, e queria saber se posso mostrar o meu currículo pra ele.

Nesse ponto, apresentam-se dois caminhos: ou me falam pra enviar o currículo por email, o que é mais comum, ou me passam para o fulano responsável. E quando me passam, nas raras ocasiões, eu tenho que me vender como a pessoa mais feliz, mais bem humorada do mundo (mesmo desempregada) e mais capacitada do planeta.

B: Oi, fulano. Tudo bem? Eu sou jornalista, sempre trabalhei com TV e agora estou procurando uma oportunidade em produtoras independentes. Trabalhei em blá blá blá por dois anos, mas agora busco blá blá blá. Será que eu poderia passar aí para conhecer a produtora e mostrar meu currículo pra você?

E aí, surpresa. Ele diz que sim, que eu posso ir, e eu vou cheia de esperanças no bolso, mas quando chego lá invariavelmente ouço ‘este não é o momento’. Outro dia achei que seria diferente, porque estava andando no meio do Largo do Machado e vi, no chão, um trevo de quatro folhas. Ainda olhei em volta pra ver se tinha um canteiro, mas não havia nenhum sinal de vegetação por perto, o que me fez interpretar a interferência bizarra como um sinal de sorte. Estufei o peito e entrei na sala da produtora com o currículo em punho e um sorriso impecavelmente branco. Mas de novo ouvi que aquele não era o momento e que um dia, quem sabe, entrariam em contato. Só espero que todo esse povo com quem eu venho falando nos últimos meses não resolva entrar em contato todos de uma vez só. Não restaria espaço na minha agenda.

segunda-feira, setembro 13, 2004

Vertigens

Sobre o tédio
Era como sentar no parapeito do mirante do Corcovado: aquela cidade inteira, azul, ao alcance dos braços e o frio na barriga, o temor da possível queda. Prazer e medo juntos, um atrapalhando o outro, ou o contrário, um tornando o outro ainda mais intenso.
Ela fez questão de sentar no parapeito do Cristo Redentor, fez questão de desafiar a própria sorte e os olhares preocupados de alguns turistas ingleses com valiosas câmeras digitais penduradas no pescoço. Ela sempre fazia questão de coisas assim, de ir ao limite dela e dos outros, de testar reações e situações. Queria experimentar cada segundo para ver se conseguia. E a verdade é que conseguia sempre, e aquele jogo já estava se tornando monótono.

Mas agora, sentada na beira na cama, no precipício do quarto, tinha medo e prazer, de novo. A tal combinação catastrófica. Às vezes pensava em abandonar o certo e se tornar mais uma vez uma pobre coitadinha, com histórias pra contar em mesas de centro de salas de estar. Outras vezes chorava com a própria sorte – apesar de não acreditar em sorte, mas em acasos encadeados e resultados previsíveis. Tudo meio matemática.

Há muito tempo não sentia isso. Tentou se recordar da última vez, mas só conseguia se lembrar do passeio ao Cristo Redentor e do dia em que sentiu uma tontura inexplicável e teve que se apoiar na banca de jornal. Estava calor e era meio-dia, e ela andava sozinha nem se lembra mais para onde, quando de repente, o chão rodou. E ela quase caiu no chão, mas alcançou as paredes de metal da banca, e tentou ligar para vários amigos pelo celular, mas não conseguiu falar com ninguém.

Agora, de novo, a sensação. Mas não estava mais sozinha, estava era com medo de ficar sozinha. Mais uma vez, tudo de novo. E de novo. E de novo.

sábado, setembro 11, 2004

Prêmio Michael Moore

Sobre o Cotidiano
Nos meus tempos de Puc, lá pela segunda metade dos anos 90, presenciei a criação de um dos melhores prêmios de todos os tempos: o troféu Aör. Ganhava o troféu aquele que conseguia causar constrangimento, saia justa e clima tenso com maior sucesso, porém sem a intenção de fazê-lo. Tudo começou em um amigo oculto em que Aör, a inspiração do prêmio, decidiu discursar com toda sinceridade do mundo sobre a menina que ele havia sorteado na troca de presentes. Disse algumas verdades, daquelas que ninguém nunca teve coragem de dizer (do tipo: ‘eu não conheço direito a minha amiga oculta, nós temos muito pouco em comum e provavelmente nunca seríamos amigos’), e causou frisson no evento. Cochichos. Risadas discretas. Risadas escancaradas. E o nascimento do troféu que levaria o seu nome, e que seria entregue daquele ano em diante em todos os amigo ocultos que nós participaríamos. Sem estátuas e sem papéis atestando o prêmio, o troféu Aör era uma glória concedida no boca-a-boca do dia seguinte. Não há melhor premiação que essa.

Observando os últimos acontecimentos da indústria cinematográfica brasileira, comecei a acreditar que caberia a criação de um prêmio Aör nos grandes eventos. Todos concorreriam: diretores, atores, equipe técnica e até convidados ilustres. Ganhava aquele que desse a pior declaração à imprensa, no estilo Rubens Ewald Filho pós Festival de Gramado (vide texto abaixo). Mas a minha idéia foi por água abaixo quando eu percebi que essas declarações desastradas são, muitas vezes, premeditadamente polêmicas. Ou seja: aquilo tudo é dito pra sair na capa dos jornais mesmo, fazendo com que o nome de certas figurinhas que nem costumam aparecer tanto assim seja publicado por semanas. Uma maneira maquiavélica de mostrar que está na mídia, uma coisa assim ‘falem mal mas falem de mim’.

Desse modo, o troféu Aör não teria mais lugar. Esse prêmio baseia-se na quase ingenuidade do declarante, na questão de que o cara acha que não tem nada demais ele falar o que está falando, já que todo mundo pensava o mesmo. Não, definitivamente o troféu Aör deve ficar restrito aos encontros esporádicos dos meus amigos de faculdade e ao boca-a-boca por telefone do dia seguinte.

Para aqueles que falam querendo chocar ou causar desconforto, a esses eu voto na criação do troféu Michael Moore. Dispensa explicações e lembranças. Moore conseguiu o que queria em um momento que ninguém esperava. Golpe baixo em pessoas baixas, e frases relembradas até hoje. E se fosse criado o troféu Michael Moore, não faltariam indicados. Olha, por exemplo, a briga do Cláudio Assis com o Hector Babenco. Troféu para o Assis, com toda certeza. E por unanimidade do júri.

Era a entrega do Prêmio TAM de cinema, com um monte de gente importante, e alguns arrozes de festa, como em qualquer boca livre famosa. Babenco disputava a estátua (é uma estátua?) de melhor diretor de 2003, assim como Cláudio Assis. Babenco ganhou e foi ao palco todo feliz buscar o seu souvenir, quando Assis gritou ‘imbecil’.

De repente, silêncio. Já imagino os jornalistas anotando, ligando para as redações, os fotógrafos tentando captar a cara de indignado do premiado, os convidados se ajeitando nas cadeiras. Babenco revidou: ‘por que você não vem ao palco falar isso na minha cara?’. E aí o Assis mandou um ‘vai tomar no cu’.

‘Vai tomar no cu’ com tapete vermelho e em rede nacional tem seu valor, apesar de que eu achei o filme dele, ‘Amarelo Manga’, uma droga.

Daí seguiram-se jornalistas querendo declarações do agressor e do agredido. Assis disse que era preciso admitir que o cinema nacional era dominado por Barretos, Cacá Diegues e Babenco. Babenco limitou-se a elogiar o filme de Assis e de queixar-se, com voz chorosa (licença poética da autora), de que ele não sabia que o colega agressor era uma pessoa tão baixa.

Nesse ponto, a confusão já estava formada. E, por mim, o prêmio Michael Moore já estava entregue. Tudo bem que o discurso de Assis nem se compara com o de Moore. Mas, convenhamos, o barraco foi muito bom também.