Doces Trash
Sobre o tédio cotidiano
Descobri que hoje é dia de Cosme e Damião. Descobri porque a multidão de crianças ensandecidas por doses altas de açúcar correndo atrás dos carros tornou óbvia a constatação. E também porque há alguns dias dei um pulinho nas lojas Americanas pra comprar uma mega barra de Diamante Negro e me deparei com caixas de doce de abóbora em forma de coração, desses que só se vende nessa época do ano. Não havia como eu me enganar: hoje é dia de Cosme e Damião.
Eu adoro os saquinhos de doces distribuídos no Cosme e Damião. Uma das coisas ruins de se ter vinte e sete anos é a impossibilidade de correr atrás de carros pedindo saquinhos de doce. Pensando bem, quando eu era criança nunca bati de porta em porta pedindo maria mole e suspiro. O açúcar vinha parar nas minhas mãos como que por encanto, através de colegas de trabalho dos meus pais, ou mães católicas de amiguinhos do colégio, que faziam a mágica distribuição todos os anos para pagar algum tipo de promessa.
Mas agora não. Agora, para que eu tenha acesso a esse universo paralelo que é o mundo infantil, tenho que usar a minha irmã de dez anos. Ela manteve viva a minha voracidade por doces trash durante esses anos em que entrei na chamada fase adulta, aquela em que para todo pedaço de torta ingerido, calcula-se o número de abdominais que devem ser feitas no dia seguinte. Pois é, minha irmã, invariavelmente, chega da escola com um saquinho de Cosme e Damião, como acontecia comigo quando eu era pequena. E aí se inicia a negociação pelo direito de ganhar uma daquelas delícias.
- Poxa, irmãzinha, libera a maria mole aí.
- Não. Eu gosto de maria mole. Se você quiser, pode ficar com o Cocô de Rato.
- Ah, não, Cocô de Rato eu não gosto. E esse doce de batata aí? Você vai querer?
- Hmm, tudo bem. Toma aí pra você.
- Valeu, irmã! Se você me der o Batom, eu levo você pra assistir a 'Meninas Super Poderosas 2'.
E por aí vai. Em negociações com a minha irmã mais nova. Quando ela não está olhando, eu garanto o meu lugar no inferno e roubo um daqueles tabletes de doce de leite. Meu gosto por doces trash já chegou a esse ponto: roubo até de criança. Mas é preciso aproveitar enquanto é tempo. Quando a minha irmã mais nova entrar na adolescência, ela vai querer largar a vida dos saquinhos de doce, como todos os seres humanos normais. Daí eu terei alguns anos de abstinência involuntária até que, finalmente, eu possa voltar a roubar doces. Dos meus possíveis e longínquos filhos.