Ficção
Sobre o tédio
Entrar no túnel do tempo. Às vezes ele gostava de entrar no túnel do tempo e provar a si mesmo que era possível, ainda, ser como era há cinco, seis, sete anos, da mesma maneira que era aos vinte e poucos – afinal de contas, o que mudou, a não ser um punhado de rugas novas e um pouco menos de paciência para certas situações e menos espanto também? O que realmente mudou, fora esses pequenos detalhes, dentro daquele que já tinha ou 30 ou 40 ou 50 anos, dependendo de que calendário contar? Foi por isso que ele entrou no túnel do tempo, comprou uma anfetamina com o Doctor Drugs e caiu no que chamava de noitada clubber (mesmo sabendo que ninguém mais fala ‘clubber’).
Ei, as poltronas continuam as mesmas e a sensação também é a mesma. E todos esses rostos, alguns que eu conheço e outros que eu ainda não conheci, todos eles continuam os mesmos. Até os desconhecidos continuam os mesmos, na sua maneira calada de não tomar idéia da minha presença, ou então observar de longe o meu sorriso, ou puxar conversa ou negar simpatia. Todos os desconhecidos continuam os mesmos, e as meninas ainda usam estrelinhas perto dos olhos e glitter nas pálpebras e botas e saias curtas e cabelos muitas vezes vermelhos. Doctor Drugs me garantiu que hoje eu seria mais novo cinco, seis ou sete anos, e é verdade: estou aqui entre eles e é como se eu nunca estivesse longe, é como se eu nunca houvesse tentado outros caminhos, nadado em outras águas – porque essa aqui é a minha praia, olha como eu me sinto bem, no meio de todos eles, sentado nas poltronas e esperando o resto acontecer.
Só que o tempo foi passando meteórico, e lá pelo meio das horas eles entendeu por quê nunca mais tinha entrado no túnel do tempo, e por quê ele tinha se afastado daquele lugar pra começo de conversa. Tudo plástico demais. Tudo milimetricamente colocado no lugar errado, provocadoramente alterado do convencional, certinho demais dentro do seu desacerto. A rebeldia programada. Ai, deus, como todas aquelas pessoas lhe davam um pequeno enjôo. Uma vontade louca de ir embora. E ele, louco de anfetaminas, iria pra onde?
Pagou a conta e decidiu vagar. Por aí. Andar pelas praias, pelos calçadões, cantando uma música dentro da sua cabeça, pisando no ritmo da música. Saboreando a solidão. E ele foi, o frio e a chuva fininha incomodando um pouco, mas compondo o quadro. Ele poderia ser personagem de um filme. Ou protagonista de um romance. Ainda estava para decidir em qual dos dois se encaixaria melhor.